As mortes e a sensação de insegurança
em nossas cidades e estradas colocaram o trânsito no centro dos
debates e acenderam faróis sobre mais uma faceta da hipocrisia
de nossa sociedade. Autoridades respeitadas abordam as várias
causas possíveis, desde as desigualdades sociais - tecla utilizada
para absolvição prévia dos indivíduos sobre seus atos - às
condições da infra-estrutura dos meios circulantes até a
ineficiência do aparato policial.
Nesta
análise do contexto social é interessante reconhecer um
comportamento típico brasileiro de adotar dois pesos e duas
medidas caracterizado, popularmente, como "a lei de Gérson",
para a resolução de demandas sociais que nos envolvem. Gostamos
de leis que nos protejam e assegurem nossos direitos, mas não
necessariamente gostamos de respeitar estas mesmas leis.
São
muitas as histórias de pais que "defendem" seus filhos contra
professores e instituições, sem discutir o mérito e a
legitimidade dos seus respectivos atos, apenas para exercer um
poder protecionista exagerado, sustentado na velha regra "sabe
com quem está falando?". Ou então, ignorando que muitos não
estudam, bebem, muitas vezes se drogam, são violentos e dirigem
imprudentemente, incluindo menores sem a devida habilitação.
Qual
a repercussão dessas atitudes para a cidadania? Se não a de
evidenciar que seus filhos estão acima da lei, impunes diante
das normas e instituições? Esses pais estão, em verdade,
abdicando de sua paternidade responsável.
A
hipocrisia de fazer de conta, de vender a irrealidade para os filhos,
envenena todo um sistema com a idéia de um individualismo
extrapolado, cujo limite é a fatalidade. Toda
essa "cultura" desemboca nos espaços sociais onde o trânsito é,
seguramente, o maior deles. Assim, a mortandade no trânsito é
só uma conseqüência, um tipo de espelho social.
Que
sociedade será esta que estamos construindo, centrada na
desigualdade de direitos perante a lei, uma espécie de "lei do
mais forte", parecendo uma hierarquia de castas privilegiadas,
como um modelo indiano ocidental. Em verdade, estamos cada vez mais
distantes dos princípios em que se baseia a sociedade americana -
que tanto gostamos de copiar - , para a qual o maior fator de
igualdade e talvez o único assegurado para todos seja a
garantia da igualdade civil e política de seus cidadãos.
Numa
sociedade com tantas disparidades sociais, de informação e
educação como a nossa, se ainda for adicionado este poder
discricionário, advindo de nossa hipocrisia histórica, as
chances de convívio harmônico ficam bastante reduzidas. Não são
as classes sociais os fatores determinantes que explicariam os
arbítrios, porque em todas elas existem pessoas de bem e
transgressores, mas são os atos dos indivíduos que os
desqualificam e os desnivelam como cidadãos.
Por
isso, não é justo transferir todo o problema para as
autoridades, para as escolas ou até para as vias públicas, se
continuarmos tratando os infratores como indivíduos incapazes de
fazer escolhas, de tomar decisões e ser responsáveis por elas.
Enquanto
perdurar essa cultura da hipocrisia, que seguramente começa no
exemplo dos lares, convivemos com o problema em questão atuando
no seu entorno, sem enfrentar a dolorida verdade de assumir a nossa
cumplicidade com as manchetes que nos assolam cotidianamente.
*Mestre em Ciências Sociais
Luiz Fernando Reginato
Fonte: BLOG SENTINELASDOAPODIRN.
Postado por : RONDA MGR




















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